Marilene é uma pessoa de bom astral e de fácil relacionamento. Tende a ver as coisas pelo lado positivo e mantém-se predominantemente em uma frequência de gratidão. Há, porém, algumas coisas que a tiram do sério muito rapidamente e quando acontece, ela se transforma, tornando-se agressiva e intempestiva. Por causa dessa característica, ela já perdeu relacionamentos, amizades e até oportunidades profissionais. Saber disso a fez decidir adiar por alguns meses uma conversa delicada que teria com uma irmã, pois Marilene imaginava que seria difícil manter o equilíbrio emocional. Era um assunto que a “tirava do ponto”. Foi preciso preparar-se bastante até que pudesse lidar com a questão. Deu tudo certo.
Infelizmente, não foi o que aconteceu com o Vitor. Diante de uma pressão sobre atingimento de metas de vendas, Vitor não se conteve e disse “poucas e boas” para o seu gerente. O pior é que não ficou “nas poucas”. Começou explicando sobre as dificuldades que envolviam questões de preço e da qualidade percebida pelos clientes. Ele iniciou a conversa em um tom baixo e educado. No entanto, à medida que falava, seus argumentos iam ganhando força e se estendendo para outros aspectos, incluindo pendências não resolvidas, promessas não atendidas e comportamentos da própria gerência e diretoria. A voz foi aumentando a cada vez que o gerente alertava que ele deveria falar mais baixo. O resultado foi completamente imprevisível. Não apenas Vitor foi demitido como também teve que ser escoltado até a porta, proibido de voltar à empresa, onde tinha trabalhado por quase 10 anos. Os colegas que conviviam diariamente com ele disseram-se surpresos com tal reação. Alguém lembrou, porém, que o casamento dele havia terminado de forma semelhante. Uma pequena discussão deu origem à explosão de um relacionamento que, até então, parecia ir bem.
Vitor e Marilene possuem características parecidas. A diferença é que Marilene fez uso de um conhecimento que ela tinha sobre si mesma, o que não ocorreu com o Vitor. Talvez ele não tivesse consciência desta maneira de reagir, mesmo que já tivesse vivido um acontecimento parecido ao término do casamento. Talvez até tenham existido outras situações, mas Vitor, ou não aprendeu algo sobre si próprio ou não fez uso deste aprendizado. Pode ser que ele tenha sido pego distraído diante da pressão do chefe, mas pode ser também que ele não tenha investido em se conhecer.
Somos seres complexos. Temos razão, emoções e sentimentos, que se misturam durante todo o tempo, gerando comportamentos desejáveis e indesejáveis, nem sempre sob o nosso controle. Em parte, somos seres previsíveis, pois possuímos conexões neurais fortes que tendem a prevalecer e a repetir reações. Alguns estímulos nem chegam até o cérebro, gerando respostas automáticas, a partir dos gânglios neurais. Alguns deles se transformam em hábitos ou até em vícios. Alguns se incorporam a nossa personalidade e chegam a ser confundidos com a nossa maneira de ser.
Algumas pessoas são mais comunicativas e valorizam relacionamentos; outras mais competitivas e voltadas para resultados; há as que são mais criativas e sonhadoras; outras, mais ligadas às normas e aos processos; e as que são mais planejadoras, detalhistas, e um sem-fim de características.
Somos o que somos e agimos como agimos por vários fatores como a genética herdada, as experiências vividas, as nossas crenças formadas, os nossos valores mais essenciais, nosso estado do momento e o nível de desenvolvimento que já percorremos, dentre outros.
Desde crianças somos estimulados a olhar para o mundo externo, onde há todo um universo a ser explorado. Como adultos, precisamos aprender a olhar também para dentro. É um mundo riquíssimo. Conhecê-lo um pouco mais nos fará lidar melhor com os acontecimentos e com as pessoas e é um importante passo para a construção consciente de felicidade, para nós e para o nosso entorno.
Talvez todos nós já tenhamos agido em algumas circunstâncias como a Marilene e, em outras, como o Vitor. Acertos e erros fazem parte da jornada. De uma forma ou de outra, vale uma reflexão: o quanto conhecemos a nós mesmos e o quanto fazemos uso deste conhecimento?
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