Na história de Branca de Neve e os sete anões, é o espelho que diz à bela rainha que ela já não é a mais bonita do reino. A rainha que poderia, até então, passar-se por uma boa pessoa, deixa aflorar o seu pior lado, os seus instintos mais cruéis, partindo para eliminar a enteada Branca de Neve. Não era suficiente ser a rainha. Era preciso ser a mais linda, além da mais poderosa. Só a morte de Branca de Neve permitiria que ela voltasse a ocupar tal posição.

É significativo o fato de ter sido o espelho a dar a notícia à rainha. Quem mais teria coragem de fazer isto? Quem correria o risco de ser o portador de uma notícia que deixaria a rainha fora de si, podendo receber dela toda a fúria? Somente o espelho poderia fazer isso. Ainda assim, há versões mais recentes de que ele mesmo teria sido quebrado, em uma reação de raiva e desespero da rainha, quando o espelho faz o segundo aviso: “Branca de Neve ainda vive e é a mais bela”. Não seria a primeira vez que o mensageiro seria o sacrificado. Não é à toa que ninguém quer dar as más notícias. Cazuza afirmou em uma de suas músicas: “mentiras sinceras me interessam”. Talvez interessem mesmo que não sejam tão sinceras assim. 

 É isto que faz com que a maioria de dirigentes políticos e de empresas vivam cercados de pessoas que lhes dizem exatamente o que eles querem ouvir. Que o país ou a empresa está indo muito bem. Que eles são brilhantes, justos e generosos. Que quem não reconhece isso ou porque é oposição ou porque é eternamente insatisfeito, ou pior, é mal-intencionado.  Ao contrário da maioria, somente os grandes líderes se cercam de pessoas capazes de dizer que o “rei está nu” e apontar o que precisa ser melhorado.  

“Você estragou o clima da reunião ao trazer números que não são positivos. Estávamos comemorando o aumento de receita e você mostra o fluxo de caixa negativo a partir de seis meses?”, disse o CEO de uma empresa dirigindo-se ao diretor financeiro, em uma reunião de análise de resultados do mês e planejamento dos próximos. De fato, o clima da reunião mudou, não porque havia um desafio a ser encarado, mas pela reação do CEO que, a partir deste momento, mostrou-se irritado e impaciente com os participantes da reunião, notadamente, com o diretor que levantou a questão.

A realidade nem sempre é o que desejamos e lidar com ela é um passo importante na construção consciente de felicidade. Enfatizo aqui a consciência, pois é a partir dela que podemos abrir possibilidades e escolher entre diferentes caminhos. É o que caracteriza a resiliência, um dos elementos básicos da felicidade. Ela só é possível se lidamos bem com os “nãos” que a vida nos traz ou com as notícias que preferiríamos não receber.

Resiliência e uma visão positiva sobre os acontecimentos estão diretamente relacionadas. Não significa adotar uma perspectiva ingênua e alienada da realidade, como a expressão “olhar de Pollyana”, uma distorção grosseira feita pelos críticos da psicologia positiva. Outra distorção é a expressão “positividade tóxica”, frequentemente, ilustrada por exemplos alienantes, representando exatamente o oposto do que é a construção consciente de felicidade. Sabemos que tóxicos são a negatividade, o egoísmo e a alienação.

Mas onde buscar, não as mentiras, mas as verdades sinceras? A rainha buscou no espelho, mas não ficou feliz com a resposta. A partir dela, transformou-se na sua pior versão e criou a maçã envenenada que faria Branca de Neve dormir até ser despertada pelo beijo de um príncipe.

E o nosso próprio espelho? Estamos preparados para verdades sinceras, ou ainda preferimos ouvir o que queremos, mesmo que não seja tão verdadeiro assim? O que nos aproximará ou nos distanciará da felicidade?

Como é para mim e como é para você lidar com as verdades que o espelho nos traz?